Software Livre

O Futuro do Software Livre no Brasil

Written by Eduardo Santos · 4 min read >

Sim, o momento é de reflexão sobre o que vai acontecer com o Software Livre no Brasil, motivado principalmente por dois fortes aspectos: a iminente mudança de governo e a consolidação do Mercado. Não que eu ache que a oposição vai ganhar, mas eleição no Brasil é uma coisa muita incerta, e por mais que eu não goste, a imagem do Software Livre está fortemente associada a esse governo e seus aliados. Já tivemos exemplos do que pode vir a acontecer na prefeitura de SP, onde o Serra desfez tudo o que o Sérgio Amadeu tinha feito, e no Governo do Rio Grande do Sul, que conseguiu desmigrar um banco inteiro, que estava muito avançado no processo.

Essa polarização é tanto boa quanto ruim. Quanto mais eu viajo para fora do Brasil, mais eu percebo que não existe outro governo no mundo que tenha abraçado o Software Livre como o nosso, o que possibilitou o amadurecimento de comunidades e a implantação de vários Projetos inovadores e únicos. O Brasil é hoje uma das referências mundiais na utilização de Software Livre. O Projeto das loterias da Caixa era até pouco tempo o maior caso de adoção de Debian no mundo (estamos falando de uma instituição que está em TODOS os municípios do Brasil) e existem outros casos tão ou mais grandiosos que esse. Não vou citar, até porque não me lembro de todos, mas quem lembrar de algum pode colocar nos comentários. Há ainda outras iniciativas que não são necessariamente software, como estudos legais sobre a licença GPL, fortalecimento de eventos como o FISL, etc. Resumindo: estamos na crista da onda do movimento livre.

O lado negativo é que a defesa de tais iniciativas tem uma certa dose de radicalismo, que é necessário em qualquer ruptura, criando “trincheiras” de ambos os lados. Como meu amigo Orzenil insiste em me lembrar, Software Livre no Brasil é coisa do PT. Não, não sou petista e não acho que seja verdadeira a afirmação, mas não há como negar que essa é a imagem para a sociedade brasileira. Fica muito difícil para um possível governo de oposição carregar a mesma bandeira, ainda que tenha vontade e pareça a solução lógica para eles.

Você deve estar se perguntando agora: mas isso é o governo. E todo o ecossistema que existe ao redor do Software Livre? A iniciativa privada não tem nada com isso. Bom, infelizmente não posso mais me dar ao luxo de manter tal ingenuidade. Os números variam, e quem tiver um dado mais exato coloque nos comentários por favor, mas o Governo representa algo em torno de 60% da indústria de software no Brasil. Em se tratando exclusivamente de Software Livre, me arrisco a dizer que o número é significativamente maior. Quase todas as grandes empresas que conheço teriam grandes dificuldades se perdessem seus contratos com o Governo Federal de maneira geral. Até mesmo o FISL, um dos maiores eventos do mundo, passaria por sérios apuros sem o apoio do Governo.

O que fecha a preocupante equação para mim é um movimento que vejo acontecer nos últimos seis meses. Alguns nomes dos mais importantes para a comunidade, que não vou citar por motivos óbvios, têm enfrentado dificuldades financeiras, seja porque se dedicaram a trabalhos de evangelização que não renderam o esperado, seja porque a posição que ocupavam em grandes empresas foi extinta. Uma grande parte das pessoas está empregada no Governo de forma direta, a maior parte delas em cargos que não possuem nenhuma estabilidade, e podem simplesmente ser demitidas numa possível mudança de governo. Eu posso me incluir nessa categoria, ainda que de forma menos preocupante que outras pessoas. Agora imagine que você defenda algo que é moral e tecnologicamente correto (caso do Software Livre) e que exatamente por isso você fique desempregado. É o risco que estamos correndo agora, e alguns já sentiram isso na pele. O desabafo do Anahuac talvez seja o maior exemplo disso e, ainda que ele tenha conseguido resolver parte de seus problemas, a questão central ainda permanece. Um exemplo em nível internacional pode ser visto aqui.

Problemas salariais a parte, a indústria de software no Brasil (com ênfase em desenvolvimento livre) tem passado por um período de consolidação. Como sabemos, as grandes e inovadoras iniciativas não vêm dos grandes empresários, e sim das pequenas e sobretudo jovens empresas. Contudo, como meu amigo Jairo e principalmente o Anahuac não se cansam de dizer, estão todos cansados de ver um novo governo acabar com tudo do anterior. Sempre que vou falar sobre o Software Público por aí, principalmente no começo, a maior pergunta que todos me fazem é: quem garante que o Projeto vai sobreviver ao próximo governo? O fato é que não há nenhuma garantia, principalmente no Brasil, onde a democracia ainda é muito nova e os cidadãos de maneira geral ainda não sabem fazer valer seus direitos. De nossa parte, no Portal do Software Público, a grande preocupação agora é institucionalização do modelo, ou seja, da integração do Projeto à sociedade. Na primeira vez que perguntaram sobre isso, dei o exemplo do Imposto de Renda. Muita gente reclamou quando o projeto de fazer a declaração pela Internet foi lançado, mas é simplesmente impossível voltar ao papel no dia de hoje. As pessoas iam se mobilizar muito fortemente contra. É uma analogia ao que penso sobre o futuro: depende de nós. Se houver uma grande mobilização da sociedade em prol do Software Livre, é muito difícil qualquer Governo derrubar. Acho difícil, por exemplo, a Caixa conseguir justificar a contratação de mais de 6000 licenças de Windows para as loterias, agora que tudo funciona bem com Software Livre, mas é como eu já disse: já foi feito do Rio Grande do Sul e em São Paulo.

Sinceramente, não acho que a queda do Software Livre vai causar uma comoção nacional, então acredito que, infelizmente, nosso futuro enquanto comunidade está mais relacionado do que deveria às eleições de 2010. Acredito também que alguns projetos podem sobreviver a uma possível mudança de governo, principalmente aqueles que conseguiram se relacionar melhor com o mundo proprietário. Mas a maior parte vai simplesmente deixar de existir, ou vai parar na gaveta de alguém, como já vimos inúmeras vezes em nosso país. O melhor que podemos fazer no momento é exigir de nossos candidatos uma postura clara em relação ao Software Livre, e principalmente NÃO VOTAR NO PSDB DE JEITO NENHUM. Uma possível vitória deles não só enterraria a maior parte dos projetos, como traria de volta toda aquela gente que teve que ser chutada a pontapés do Governo de volta. Aí não estaríamos falando de um mal apenas para o Software Livre, mas um enorme retrocesso para o país como um todo.

Written by Eduardo Santos
Desenvolvedor Open Source por vocação, Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), professor universitário e cientista de dados (data scientist). Profile

7 Replies to “O Futuro do Software Livre no Brasil”

  1. Boa reflexão.

    No caso do Portal, creio que além de institucioalizá-lo, precisamos trabalhar com os projetos indivudualmente para que estes se fortaleçam. Os pontos do Anahuac são bem colocados e realmente, a participação da iniciativa privada hoje ainda é hematófoga. Infelizmente o ciclo do feedback ainda é quebrado, o que acaba criando essa dependência com o governo.

  2. Olá Eriksen,

    Acho que você tem razão em relação ao ciclo do feedback. Infelizmente, as empresas brasileiras se acostumaram com um modelo muito cômodo: vou fazer uma caixinha pra vender pro Governo pra sempre. São pouquíssimas as que investem realmente em tecnologia, e sem conhecer tecnologia fica difícil explicar a importância da colaboração.

    Acredito que incentivar os projetos do Software Público individualmente é um ótimo começo. Investimos pouco e temos um retorno muito grande (basta ver o Ação Coletiva). Mas não vamos fazer nada sem a mudança na formação dos profissionais, e aí está o grande problema. As federais só se preocupam em arrumar dinheiro para pesquisas nem sempre tão eficientes, e as particulares estão virando verdadeiras fábricas de certificação de software fechado.

    Tá ficando cada vez mais difícil arrumar espaço e, com a mudança de Governo (se mudar) pode ser que fique ainda pior. Mas enfim, vamos ver o que vai acontecer.

  3. Eduardo,

    Não são só as caixinhas que essas empresas vendem. É muito cômodo levantar a bandeira do software livre em ações de marketing e apenas usá-lo, como você mesmo citou.

    Quantas consultorias não usam e implantam Joomla!, Plone, distros, MySQL/PostgreSQL, Squid, Varnish, etc, etc, etc no governo? E quantas destas contribuem a esses projetos, nem que seja com um pequeno valor de patrocínio? Provavelmente muito pouco.

    A formação de profissionais no país tem uma relação muito promíscua com as grandes empresas de software proprietário. Nossos amigos americanos, por outro lado, possuem diversos centros de excelência em software livre (Berkeley, Caltech, MIT, OSUOSL). Por isso lá eles tem o DoD apoiando as tecnologias livres, que ganharam ainda mais força com o governo Obama (basta ver o data,gov e os excelentes sites da whitehouse.gov).

    O Software Público pode realmente mudar esse panorama. Como sabemos, não é fácil. Cada projeto tem suas especificidades e é importante que o ecossistema se fortaleça como um todo. Isso só teremos com colaboração.

    Um exemplo didático, no i-Educar, temos pouco mais de 80 prestadores de serviços cadastrados. Nunca vi um patch vindo deles, nada. Limitam-se a reclamar de bugs, claro. Quando discutimos a possibilidade de desenvolver o sistema para que fique mais abrangente, gerando novas oportunidades de negócio, mais uma vez ficam pateticamente quietos. Ou seja, nem o empresariado sabe como gerar mais receita com serviços de software livre, já que a imaginação se limita ao simples uso.

    Temos muito a educar. Como já observado (Dries, http://buytaert.net/contributing-back-to-drupal), uma empresa que não contribui ao projeto usando “custos” como motivo não é suficiente pois também existem “custos” ao não participar da comunidade (óbvio, não?).

  4. Olá Eriksen,

    Mais uma vez, comentário bastante correto. Concordo com praticamente tudo o que você disse mais uma vez, e realmente é preciso educar as empresas. Na nossa comunidade (o OpenACS) temos um caso que é exatamente o inverso, mas que também gera novos desafios: temos um dos projetos mais antigos de Software Livre do mundo (talvez eu esteja exagerando um pouco), bastante estável e maduro. Além disso, não há muitas empresas, mas existe um bom grupo que ganha dinheiro há muito tempo com o software. A complexidade do sistema e, principalmente, a cultura da comunidade dificultam um pouco a colaboração, mas a partir do momento que você começa a desenvolver, o processo de colaboração se torna tão claro que fica difícil não querer devolver. Aí esbarramos em outros problemas, como mercado já muito consolidado, uma certa “burocracia” e a falta de colaboradores voluntários.

    Vivo dizendo, principalmente quando vou contratar alguém, que o nosso maior desafio não é ensinar somente a tecnologia e formar técnicos de alto nível. É preciso formar profissionais que entendam os sistemas e conheçam a cultura da colaboração, ou seja, a pessoa tem que ser pró-ativa. Não basta me perguntar onde está o problema, e sim saber onde procurar a resposta. Infelizmente a grande parte das empresas que trabalham com Software Livre no Brasil não estão acostumadas a trabalhar com desenvolvimento tecnológico; se tornaram apenas instaladores, operadores, e em grau mais forte vendedores de tecnologia estrangeira. Aí entramos de novo no problema central, que você colocou muito bem: quantas empresas estão dispostas a participar do ciclo de desenvolvimento em comunidade? Elas alegam custo, ainda baseado nos antigos modelos econômicos. Não conseguem entender o modelo de desenvolvimento colaborativo, que é anti-rival por natureza.

    Bom, aí eu já comecei a viajar demais. Ali na parte de publicações tem um artigo que eu escrevi sobre o Software Público e também a economia dos bens intangíveis. Se estiver de bobeira e quiser embarcar nessa viagem, fique à vontade!

    Mais uma vez, obrigado pelos excelentes comentários. Esperamos que o futuro seja luminoso e não sombrio para nós.

  5. Olá, colegas!

    Quero parabenizar ao Eduardo pelo excelente post, que coube muito bem com o momento. E agradecimentos ao Eriksen, pela indicação de leitura.

    Concordo plenamente Eduardo quando você cita a a questão da ligação involuntária que há entre este governo e o Software Livre. Mas eu penso que tudo isso que já está construído, e a meus olhos, muito mais popularizado após o Encontro Nacional do Software Público no ano passado, será de tamanha dificuldade para um governo de oposição, caso aconteça, “abandonar”/não mais incentivar. Eu ficou muito feliz e aprecio pensamentos com o seu e do Eriksen, e estou convencido de que nós temos que cobrar isso de nossos políticos e difundir a ideia de que o SL, o SPB, não pode parar, o Brasil precisa disso, é um valor que se está construindo para a sociedade e que precisa continuar sendo incentivado. Como você mesmo comentou e muito bem, algo “moral e tecnologicamente correto” que NECESSITA continuar sendo incentivado.

    Reforçando a ideia, penso que umas das alternativas é mesmo tornar cada vez mais difundida e de conhecimento de toda a sociedade a importância do SL em todas as esferas de governo, e os benefícios que o SL e o SPB já representam e representarão ainda mais para o cidadão brasileiro.

    Muito boa sua abordagem no post e do Eriksen nos comentários, vocês estão falando de assuntos que vão se tornar cada vez mais polêmicos, logo os google robots trazem mais gente para cá. 🙂

    Abraços e boa sorte a todos!

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