A despolitização da sociedade brasileira

No momento em que as eleições estão passando (pelo menos o primeiro turno) me sinto tentado a tocar no assunto eleições, principalmente depois do post do amigo Jomar Silva que compreendo e compartilho da mesma indignação. Também me lembro que, ao ver a cobertura das eleições pelo Globo News (a Band decepcionou esse ano e tive que migrar para eles) os comentaristas, que sabemos quais são suas preferências, chamaram atenção para o curioso resultado da eleição de Brasília. Me parece que, pelo menos naquele momento, eles estavam despidos de suas preferências políticas e fizeram uma análise que considerei muito boa do resultado das eleições. Ponto para Globo News nesse aspecto.

Voltando ao resultado de Brasília, os pontos que chamaram a atenção refletem os aspectos que quero apontar:

  1. O deputado federal proporcionalmente mais votado do Brasil (quase 19%) foi Reguffe, um dos guardiões da ética e da moral na política em Brasília. Talvez um dos poucos que ainda existam no Brasil
  2. O resultado das eleições para governador foi, no mínimo, esquisito. Agnelo na frente (49%) , Weslian roriz em segundo (30%) e Toninho do PSOL em terceiro (14%). O que chama atenção aqui é  seguinte:
    1. Agnelo precisou se juntar ao Filipelli para se eleger. Aqui um pouco de sujeira, mas não chega a ser surpreendente.
    2. Weslian Roriz foi para o segundo turno com uma votação expressiva, mesmo confessando que não sabe governar e todos (inclusive eu) sabendo que quem vai mandar é o seu marido.
    3. O PSOL teve a maior votação proporcional do país: 14%.
  3. Para deputado distrital, o mais votado foi Chico Leite, um ex promotor de justiça que é a bandeira da ética, juntamente com Reguffe. A segundo foi Eliana Pedrosa, da turma do Arruda (ele mesmo).
  4. Para Senador, nenhuma supresa: Cristovam e Rollemberg.
  5. Marina Silva ganhou em Brasília, com quase 42% dos votos. Foi o único estado que ela ganhou.

Dos números podemos tirar que, ao mesmo tempo em que nos manifestamos maciçamente a favor da ética, somos capazes de eleger gente como Roriz, que ficou 16 anos no poder e indicou a mulher agora com medo de ser caçado. Também demos a Marina a maior votação proporcional do Brasil, mesmo que seu candidato do PV tenha ficado em quarto lugar. Então eu faço uma pergunta: por que as pessoas que votaram no PV para presidente não votaram no PV para governador?

O fato é que as pessoas, principalmente em Brasília, não têm ideia do que seja plataforma política. Tão pouco os candidatos se esforçam para divulgá-la. O Serra é, claramente, a favor de um Estado leve e das privatizações. Por que ele não divulga esse item em suas campanhas? As mesmas pessoas que votaram em Reguffe a favor da ética não deveriam votar logicamente no PSOL, já que essa é a principal bandeira do partido?Não estou defendendo o voto no PSOL, mas não faria mais sentido? Reguffe foi mais votado que Toninho, por exemplo. A plataforma política deles é, na essência a mesma.

Não acho errado que as pessoas votem na Marina, até porque não acho errado ninguém votar em ninguém. Esse é o princípio da democracia: são todos livres para votarem em quem quiserem. O fato é que a votação nela deveria revelar uma grande preocupação da cidade com a questão ambiental, pela lógica da plataforma política. Aliás, seguindo o mesmo princípio a grande votação dela me deixa um pouco triste. Considerando que a principal plataforma dela era o meio-ambiente e a do Cristovam quando foi candidato era a educação, no Brasil as pessoas se preocupam mais com o meio-ambiente do que com a educação. Aí está o indício de que nossa sociedade não liga para a educação.

Acredito que a maior parte das pessoas que votaram na Marina não o fizeram por conta da sua plataforma política, e sim por dois principais motivos: a simpatia com a sua pessoa e a antipatia com o PT. Desde os tempos em que eu era adolescente a imagem do PT é a mesma para as pessoas aqui em Brasília: um monte de fanáticos partidários e chatos. Eu diria que a imagem é reforçada pela força que a militância sempre teve e pelo nível muitas vezes radical com o qual manifestavam suas ideologias, o que acaba gerando um clima meio de “ame-o ou deixe-0”, ou seja, ou você é petista ou está contra eles. Mauro Cézar Pereira classificou muito bem o fenômeno como neo-petismo.

O conjunto de todos esses fatores me leva a ficar um pouco triste com a realidade das eleições, que não acredito que vai mudar tão cedo no Brasil: votamos em pessoas, não em propostas. Alguém poderia por favor me dizer qual é a plataforma política de Weslian Roriz? Os eleitores de Roriz são fiéis porque receberam dele suas casas, e vão votar nele em gratidão até o fim da vida. Não interessa em que condição receberam, sem luz asfalto ou água, mas receberam. E muitos outros votaram nas outras eleições porque acreditaram que iam receber o seu famoso lote também, mas infelizmente para Roriz a conjuntura geográfica de Brasília mudou. Não dá mais para dar lotes, pois não tem mais espaço disponível. Isso certamente prejudicou sua campanha nessas eleições. Agora ele fica procurando outras coisas para dar às pessoas e torná-los dependentes para sempre, mas não será tão fácil assim.

Minha esposa acaba de voltar do interior da Bahia, e presenciou um fenômeno que todos sabemos que existe, mas quando vemos é totalmente diferente: a compra de votos. Sim, as pessoas vendem tranquilamente seus votos por uma “carrada” de areia, por uma ajuda com um parente doente, por qualquer motivo. E depois cobram os resultados. É assim que acontece no Brasilzão véio de meu Deus. O voto é secreto, mas os deputados sabem, principalmente nas pequenas regiões, quantos votos deveriam ter. Algo como 5, 6, até 100 votos, e se a quantidade não é alcançada voltam lá e cobram os eleitores. E quem não votaria em alguém que consegue uma vaga de UTI no SUS para sua mãe doente?

A nossa sociedade não tem ainda maturidade política para defender plataformas, até porque algumas delas inexistem. Mas as poucas que existem defem ser defendidas por si, não pelas pessoas que as representam. Seria o exercício da consciência política, mas se você falar a palavra política perto de alguém só vai ouvir essa pessoa dizer: “não gosto de política”.

Para os que insistem em repetir tal heresia, eu digo: enquanto o homem viver em sociedade, não há como não gostar de política. Ela está em tudo o que fazemos, nos caminhos que tomamos e nos frutos que colhemos. Não dá pra votar nesse ou naquele por gostar da pessoa ou do sorriso que ela tem. Nos EUA, que são uma democracia cheia de problemas mas certamente tem muito mais consciência política, é muito comum ouvir o pai dizer para a filha que quer para ela um marido republicano ou democrata. Aí estão representadas uma série de escolhas políticas, muitas vezes antagônicas, mas que são bem entendidas por todos. O que me entristece é presenciar a nossa total e completa despolitização presente em todos os níveis sociais, simplesmente dizendo que gostamos desse ou daquele candidato, sem nos preocuparmos com o que ele representa. Até porque, na maior parte das vezes, ele representa a si mesmo e a seus interesses.

Para finalizar, sei que alguns vão dizer que escrevi tudo isso porque votei na Dilma. Alguns podem argumentar que trata-se de puro e simples medo de perder o emprego, já que trabalho em uma instituição pública em cargo comissionado. A quem pensa isso só posso dizer duas coisas: você não me conhece e só lamento por você. Primeiro porque não tenho medo de perder o emprego, longe disso. Segundo por acreditar que todo agente público está subordinado à vontade de seus superiores. Sim, agente público, pois se trabalho no Governo o Lula não é meu patrão: meu patrão é o povo brasileiro. Se todos tivessem essa consciência, os casos de corrupção seriam cada vez mais raros na administração pública.

Estou triste sim, mas ao mesmo tempo feliz, pois a eleição brasileira é a maior festa democrática do mundo. Presenciar todas as pessoas exercendo seu papel através das urnas em um país de dimensões continentais como o Brasil é simplesmente emocionante para quem é brasileiro. Sim, esse é um momento em que sinto orgulho de ser brasileiro.

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Eduardo Santos

Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), Tecnologista na Agência Espacial Brasileira, professor do Uniceub e cientista de dados (data scientist).

There are 7 comments. Add yours

  1. 5th October 2010 | Jomar Silva says:
    Parabéns pelo texto ! Nossa geração foi criada com o célebre dogma: Política, Futebol e Religião não se discutem ! Isso interessava (e muito) há algumas décadas, mas hoje em dia serve apenas para perpetuar a ignorância, e se não fizemos nada para mudar isso, ficaremos parados no tempo e espaço. Infelizmente as pessoas hoje escolhem seus candidatos como se escolhessem quem sai ou quem fica no paredão do Big Brother, e acredito que a culpa disso seja do voto obrigatório (aliás, se política não se descute, votar devia ser mesmo uma opção, não acha ?). Já fui um analfabeto político, mas graças a Deus (xi, religião), abri os olhos há um bom tempo. Deixo para reflexão uma frase que tenho na parede do meu escritório em casa: "O Analfabeto Político O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais." Bertolt Brecht
  2. Pingback: Tweets that mention A despolitização da sociedade brasileira « Eduardo Santos -- Topsy.com 5 de October de 2010

    […] This post was mentioned on Twitter by Jomar Silva and Jomar Silva, Eduardo Santos. Eduardo Santos said: Não resisti e bloguei. A despolitização da sociedade brasileira: http://wp.me/pArj9-2X Culpa do @homembit que me emocionou ontem. […]

  3. 22nd October 2010 | Anônimo says:
    Não sei direito como vim parar neste blog. Mas sua análise sobre o motivo para o voto na Marina Silva no primeiro turno está muito equivocada. O PV tem uma plataforma bem definida pró meio-ambiente, mas seus membros só tem isso em comum, qualquer preocupação com o meio-ambiente. Qualquer um sabe que propor atenção exclusiva a um campo não é motivo suficiente para conseguir votos. O que realmente arrecadou votos para ela foram outras propostas próprias e do seu grupo, não do partido, guiadas pela ética e pela transparência política, educação. Ela se apresentou como uma terceira via, fugindo da velha politicagem dos famosos PT/PMDB, PSDB/DEM, e isso rendeu a ela, com certeza, a maioria de seus votos. Não vou entrar no mérito de outras coisas que discordo no texto, só em mais uma. Você é a favor dos cargos comissionados? É a favor, não que seja o seu caso, talvez nem seja a maioria, de cargos preenchidos por pessoas por trocas de favor? Não acha que seria justo todos estarem nos cargos públicos por comprovada competência? Aparentemente, você acha que tudo isso é certo, tanto que vota num partido político cuja plataforma não se preocupa com esses pontos. Não sei se você é militante do PT, ou faz parte de movimentos da juventude do PT, mas esses eu não culpo. Esses realmente tem ideais e vontade de melhorar o país. O problema é acreditar cegamente no PT, que já deixou de ser o partido dos trabalhadores há muito tempo, que já deixou seus ideais perdidos no meio de toda a politicagem e da vontade cega de poder, de manipulação das massas somente pela permanência no poder. Antes que pense que eu sou mais um tucano, ou seja lá o nome que você quiser dar, quero deixar bem claro que eu discordo das duas grandes vertentes políticas brasileiras que insistem em se perpetuar no poder, não discordo só do PT.
  4. 24th October 2010 | Eduardo Santos says:
    Olá Anônimo, Sempre melhor se identificar em minha opinião, mas mesmo que você não tenha tomado essa atitude vou perder algum tempo respondendo seus questionamentos. 1 - Não sei onde estava a ética e a transparência política nas propostas da Marina, até porque ela não citou isso em nenhum momento. Agora, dizer que ela tinha propostas para a área de educação é confessar que você não leu o programa dela. Nenhum dos candidatos tinha propostas contundentes na área de educação, com exceção da Dilma que pretende manter o Reuni, mas isso é só ensino superior. Educação Básica que é o que realmente importante, nada. Por isso o único programa consistente do PV é o meio ambiente mesmo. Basta ler o caderno de propostas e vai perceber. 2 - O PT tem outros defeitos, mas velha politicagem não é um deles. Primeiro porque é um partido relativamente novo; segundo porque é o partido mais democrático do Brasil. A última eleição para presidente do partido foi transmitida ao vivo pela CBN, e há uma grande discussão sobre as propostas que devem constar do programa. Isso é política, o tema do post para começar. Aliás, mais uma vez fico triste ao perceber que as pessoas não conhecem os partidos e suas propostas, se preocupam apenas com as pessoas que os representam. Triste. 3 - Ao falar de cargos comissionados, sua opinião é a mesma da maioria da população brasileira que não conhece e não tem interesse em conhecer o governo. Cargo comissionado, ou de confiança, é uma indicação de pessoas para exercer funções de confiança; na iniciativa privada, seria o análogo a Coordenadores, Gerentes e Chefes de Seção, por exemplo. Dizer que cargo comissionado é preenchido apenas por motivos políticos é não saber o seu verdadeiro significado. Contudo, o Presidente da República é eleito como chefe do Poder Executivo, para executar as políticas que ele considera as mais importantes para o país. Aliás, em teoria, foi por isso que ele foi eleito: para poder executar suas políticas. Em algumas funções estratégicas, é necessário haver pessoas que ajudem o Presidente a executar suas políticas, e aí existe a necessidade de um cargo comissionado. Muitos deles, a maior parte, são pessoas extremamente competentes que aceitam ganhar muito menos do que poderiam na iniciativa privada somente pela vontade de trabalhar em função do país. A Marina, sua candidata, até 2008 era portadora de um cargo comissionado: Ministra do Meio Ambiente. Existem sim indicações políticas que não obedecem critérios técnicos, da mesma maneira que acontece em qualquer empresa. Pessoas são imperfeitas e cometem erros, mas é um problema sistêmico, e não da função em si. Meu cargo não tem nenhuma relação com favores políticos, e sim com o trabalho que eu realizo. Da mesma maneira que seria em uma empresa. É importante entender isso enquanto cidadão: a partir do momento em que há um agrupamento de pessoas, qualquer que seja ele, ali está a política. Faz parte de viver em sociedade. Está presente em empresas, escolas, universidades, governo, em todos os lugares. Mas essa vou deixar pra você estudar. 4 - Não, não sou petista, nem faço parte de seus movimentos jovens, pelo contrário. Não sei como pode ser um partido de manipulação de massas se a imprensa é dominada pela oposição, e existe sim uma vontade de poder, como existia no governo do PSDB e de qualquer outro partido que vier a ocupar a presidência. Mas os ideais estão longe de ser perdidos, apenas se tornaram projetos de governo. Um deles, que defendo fortemente como você pode ver no blog, é o Software Livre. Existem outros, basta procurar. 5 - Sugiro que estude um pouco mais a organização do governo, os programas partidários e que aprenda a analisar os candidatos pelas propostas. Esse é o objetivo do post. E não se esqueça de votar no segundo turno.
  5. Pingback: Egito, MinC e o poder das redes « Eduardo Santos 17 de February de 2011

    […] Já abordei o assunto em outra oportunidade, mas os fenômenos servem para ilustrar como a Internet é importante, apesar de menos do que se imagina, porque ela nada mais é do que a materialização virtual de nossa sociedade. De fato, não somos politizados, não temos interesse nos problemas de nosso país, não nos preocupamos com as políticas executadas por nossos governantes e temos certeza absoluta de que isso não é problema nosso. Afinal, político é tudo ladrão e não tem jeito mesmo. […]

  6. Pingback: Quando teremos educação? « Eduardo Santos 23 de May de 2011

    […] disse aqui que a sociedade brasileira não dá a mínima pra política, da mesma forma que não dá a mínima pra educação. Também disse que não tinha motivos para […]

  7. Pingback: Conteúdos de blogs no Brasil pela boobox « Eduardo Santos 3 de October de 2011

    […] isso, um dado chama a atenção: blogs de política representam apenas 1% do total. Como já disse, somos um país de fãs de Big Brother, e ninguém liga para a política. E não acredito que vamos mudar tão cedo. Triste… Se tem […]

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