Liberdade

Hackers em luto

Written by Eduardo Santos · 3 min read >

Como todos já devem estar sabendo a essa altura do campeonato, a comunidade hacker mundial está de luto. Um dos maiores representantes mundiais do ciberativismo cometeu suicídio na última Sexta-feira, o grande Aaron Swartz.

O termo “grande” pode parecer um pouco exagerado a princípio, porque ele de fato não é tão conhecido assim pelo grande público, principalmente no Brasil. Contudo, entre o que podemos chamar de “círculo intelectual da cultura livre”, ele não era só conhecido como muito admirado. Quase todos os grandes expoentes da cultura hacker escreveram alguma coisa sobre ele, e pareciam conhecê-lo muito bem. Dê uma lida aqui no blog da Tatiana Dias para conhecer um pouco mais sobre a sua obra e importância. Eu, de fato, não tinha esbarrado com seu nome antes de saber de sua morte, então não posso dizer que o conhecia.

Contudo, mesmo não sendo amigo dele e não sendo fã direto de sua obra, muito por não ser capaz de relacioná-lo ao que ele vez, fiquei tocado com sua morte como poucas vezes fiquei na vida com a perda de uma figura pública. O que me deixou realmente sentido foi que o Lawrence Lessig escreveu sobre ele. Sim, você leu certo: Lawrence Lessig! Esse cara é o grande autor sobre todas as teorias que conhecemos hoje envolvendo cultura livre e compartilhamento, e ver alguém como ele escrever tão apaixonadamente sobre outro me deixou realmente tocado.

Primeiro, vamos tentar entender um pouco a história. Aaron, assim como eu, achava um absurdo alguém ter que pagar para ter acesso ao conhecimento, principalmente no contexto acadêmico. O que ele fez então? Ainda não está provado se ele realmente fez o que fez, já que ele não podia se manifestar publicamente sobre o processo, mas tudo indica que ele tomou uma atitude digna de um hacker do ciberativismo: invadiu a base de artigos do JSTOR, um dos maiores serviços pagos de acesso a artigos acadêmicos, e disponibilizou todo o seu conteúdo gratuitamente na Internet.

O hacker dentro de mim vibra quando lê algo do tipo, pois é uma atitude subversiva simplesmente incrível. Já defendi aqui no blog a importância da desobediência civil para mudar algumas leis, e provavelmente já tomei atos nesse sentido que não posso revelar, mas vale lembrar que a desobediência é o que o próprio nome diz: uma desobediência. Ele cruzou a barreira da lei na tentativa de mudá-la, e acabou pagando caro por isso. O Governo Americano o processou, junto com o MIT, e ameaçava condená-lo a vários anos de prisão além de uma multa milionária.

Sabe o que é o mais, digamos, interessante dessa história? Todos acreditavam que ele merecia uma punição por ter desobedecido a lei, mas qual seria uma punição adequada? Vejam o que Lessig escreveu:

Early on, and to its great credit, JSTOR figured “appropriate” out: They declined to pursue their own action against Aaron, and they asked the government to drop its. MIT, to its great shame, was not as clear, and so the prosecutor had the excuse he needed to continue his war against the “criminal” who we who loved him knew as Aaron.

O JSTOR, maior “prejudicado” da história, decidiu retirar as acusações por achar que Aaron já tinha aprendido a lição, e pediu para o governo americano fazer o mesmo. O MIT não foi tão claro em retirar as acusações, então o processo teve que continuar. Aí é que começa a polêmica: se a parte principal decidiu que não queria continuar, por que o processo foi levado adiante? Quase todos os que conhecem a realidade do caso têm a mesma resposta: FUD.

Essa é a tática da guerra de informação mais suja e, ao mesmo tempo, mais conhecida pelos que trabalham em guerrilhas cibernéticas: você apresenta argumentos suficientes para deixar as pessoas com medo de que aquilo seja verdade, ainda que não seja. A estratégia é intimidar o adversário até que ele tenha medo suficiente para não continuar fazendo aquilo. Bem, ao que tudo indica Aaron foi intimidado o suficiente, a ponto de não aguentar mais, e cometeu suicídio. O termo foi melhor definido por Lessig: cyberbullying.

Aí entra o ponto que mexeu tanto comigo: Aaron poderia ser eu! Não, eu não tenho tendências suicidas, não vou me matar e provavelmente não seria tão afetado por intimidação quanto ele, mas essa não é a questão. A questão é que estamos vivendo um momento de transição onde estou no lado claramente oposto àqueles que dominam as instituições desse país. Alguns amigos da comunidade de Software Livre no Brasil sofreram ameaças de vida reais por estar lidando com um mundo onde muito dinheiro é envolvido. O que impede que alguém decida que o próximo alvo sou eu ou alguém próximo a mim?

As pessoas envolvidas no caso claramente queriam fazer dele um exemplo para desencorajar atos de desobediência civil, obviamente no cotnexto legal americano. O nosso papel, como defensores da liberdade e do compartilhamento, é não permitir que o seu exemplo seja em vão. É o momento de termos ainda mais coragem, aidna mais vontade de mudar, e ainda mais certeza do que buscamos. Descanse em paz Aaron, e tenha certeza que não deixaremos a semente que você plantou em nossos corações morrer.

P.S.: Está ocorrendo no twitter uma campanha de homenagem a Aaron onde os artigos acadêmicos estão sendo disponibilizados livremente com a hashtag #pdftribute. Que tal render sua homenagem publicando seus artigos também?

Written by Eduardo Santos
Desenvolvedor Open Source por vocação, Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), professor universitário e cientista de dados (data scientist). Profile

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2 Replies to “Hackers em luto”

  1. Ele cometeu um crime e estava seria julgado por isso. “Ah, mas as leis…” Sim, mas era crime e ele sabia. Não importa se é um Robin Hood, ainda é um criminoso. Há de se pesar ônus e bônus. “Ah, mas o cara roubou pesquisas e trabalhos e seria punido como quem roubou um banco!” É… você certamente gostaria que alguém que apenas “invadiu” sua casa fosse punido como alguém que invadiu um banco? O cara era um gênio? Nunca tinha ouvido falar desse cara, mas parece era. Era do bem? Talvez. Era babaca? Talvez, por acreditar que o “bem” está acima da lei.

  2. Marquitos,

    Os seus argumentos são parecidos com o da única pessoa que queria levar o caso adiante, a promotora Carmem Ortiz. Sugiro que dê uma lida aqui: http://www.trezentos.blog.br/?p=7594

    Ainda que ele tivesse baixado os artigos, coisa que Lessig não deixa claro que ele fez, não dá para comparar o que ele fez com roubo. Os artigos baixados encontram-se em domínio público, então não poderia haver roubo de propriedade intelectual onde ela não existe. Há ainda o fato de que o suposto “dono” do conteúdo retirou as acusações do processo.

    É mais ou menos o seguinte: eu te empresto um livro e você tira centenas de cópias. Quando eu descubro o que você fez, te aviso que não pode fazer isso e peço para me devolver as cópias. Eu devolvo, eu digo que está tudo bem e continuamos amigos. Aí um policial vê aquilo e me diz que eu não posso aceitar suas desculpas e te leva preso. Justo?

    Ninguém sabe ao certo porque, após retiradas as acusações de MIT e JSTOR, a promotora tentou levar o caso adiante. Até porque a atitude não constitui de fato roubo, já que para haver roubo é necessário ter propriedade, e isso não havia para começo de conversa.

    E para provocar: sim, o bem está sempre acima da lei. Se isso não fosse verdade nenhuma lei precisaria ser alterada.

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