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Fórum da Internet 2015 – Dia 1

Fui convidado para participar do Fórum da Internet 2015 em Salvador – Bahia. O evento é organizado pelo CGI.br como um evento...

Written by Eduardo Santos · 4 min read >

Fui convidado para participar do Fórum da Internet 2015 em Salvador – Bahia. O evento é organizado pelo CGI.br como um evento preparatório para o IGF, que no ano de 2015 será realizado no Brasil. Antes de começar a falar sobre os desdobramentos, um pouco sobre o fórum e sua organização.

O que é?

O Comitê Gestor da Internet, o popular CGI.br é a entidade que regulamenta a Internet no Brasil. Por regulamentar entende-se que ela é responsável por definir os padrões técnicos e operacionais, padrões de rede, enfim, tudo o que esteja relacionado à regulamentação e operação da Internet no Brasil. Pra você que é leigo, vou explicar de uma forma mais simples: é o órgão responsável por definir os nomes que você digita no seu navegador e terminam com .br.

Sim: todo os domínios que terminam com .br devem ser registrados no CGI. Incluem-se aí todos os grandes Portais, como ig.com.br, globo.com.br, uol.com.br. Agora você já se perguntou porque os domínios terminam em .com.br? Também é parte de uma das regulações do CGI, que divide o domínio em duas partes principais. Tomemos como exemplo um dos endereços que apontam para esse site: eduardosan.com.br. Vamos quebrá-lo em três partes separadas pelos pontos:

  • .br -> Representa o ccTLD – Country Code Top Level Domain, ou o código de topo para o país. No começo da Internet foi atribuído um código de duas letras para cada país, de acordo com a norma ISO 3166 de códigos para país.
  • .com -> Representa o gTLD – Group Top Level Domain, ou o código de grupos de domínio que podem ser atribuídos para grupos específicos de usuário. Um exemplo é o .pro.br que é atribuído para professores no Brasil.
  • eduardosan -> Esse é o DNS, ou o nome do domínio que está disponível para registro

Em resumo, o que o CGI faz é trabalhar com o gTLD e o DNS para todos os domínios que estão no ccTLD do Brasil (.br). O processo funciona mais ou menos assim: o CGI.br (na verdade o NIC.br que é outro órgão, mas vamos evitar complicar) define os gTLD que podem ser registrados e mantém a base de dados de registros de DNS disponíveis para o Brasil. É ele que restringe, por exemplo, os domínios .com.br para endereços comerciais e .pro.br para professores, e disponibiliza para registro todos os nomes nesse domínio. Aí é que você pode ir no site deles e verificar os que estão disponíveis.

O CGI na verdade terceiriza o serviços de registro para os provedores autorizados, mas você também pode fazer o registro por lá. Se quiser ver o exemplo de como isso funciona, acesse essa busca aqui do UOL que é a minha preferida quando vou registrar um domínio. Lá você tem acesso a todos os gTLD disponíveis no Brasil, além de poder registrar seu domínio se quiser.

Pois bem, após entender uma de suas atribuições, que na verdade nem é a mais importante, é importante pra você saber que o CGI não é um órgão de governo. Em 1995 o Governo assumiu o compromisso de dividir a administração com a sociedade civil, e após algumas mudanças essa é a atual composição:

  • 11 membros da sociedade civil;
  • 9 membros do governo;
  • 1 membro de notório saber.

Mais sobre os membros do conselho e sua divisão na página do próprio CGI.

O Fórum

A decisão de dividir a administração da Internet com a sociedade civil foi uma das decisões mais acertadas da história do país. Acabou por construir um órgão extremamente democrático e bastante representativo dos vários setores da sociedade. Essa á uma das razões pelas quais as decisões do CGI raramente são contestadas: passam antes por muitos dos setores envolvidos.

Para construir consenso numa sociedade tão complexa como a nossa só mesmo com muita discussão, e aí entra a importância do Fórum da Internet. O CGI também é responsável por representar o Brasil no IGF, ou Internet Governance Forum, que também deve construir consenso para a Internet de todo o mundo. Apesar de haver resistência ao Fórum por setores da sociedade brasileira e mundial, trata-se do evento que toma as decisões relativas à toda a Internet no mundo inteiro. Assim, o principal objetivo do Fórum da Internet do Brasil é construir as propostas que o Brasil vai levar para o evento internacional.

Durante os 3 dias do evento, que acontece em Salvador na Bahia, as discussões são feitas separadas nas seguintes trilhas:

  • Desafios da inclusão digital;
  • Economia da Internet;
  • Cibersegurança e confiança;
  • Internet e direitos humanos.

Economia da Internet

Como o dia de hoje tinha trilhas concorrentes, só pude participar de um assunto, e fiquei na que me parecia mais interessante: economia da Internet. A discussão foi boa principalmente porque obedeceu ao caráter participativo do órgão trazendo diferentes setores da sociedade: Ministério da Cultura, representando o Governo. Uma empresa do Rio muito legal chamada Acesso, que fornece um serviço de cartão pré-pago para inclusão social nas favelas. Tinha um representante da colivre, cooperativa de desenvolvimento de Software Livre com sede em Salvador, além de um membro do ITS-Rio, representando o terceiro setor.

A dinâmica foi muito interessante, com os painelistas fazendo a apresentação na primeira fase e depois uma discussão em grupos menores para que todos pudessem apresentar as propostas. A discussão acabou trazendo algo que ainda estou sem coragem para escrever, mas o fato é que o Software Livre morreu. Com a migração dos serviços para a nuvem da Internet, os modelos de licenciamento se tornaram uma discussão inócua, e até certo ponto boba. Levantei a gravidade da situação do acesso às tecnologias onde quase todos os serviços que usamos, apresentados por um dos membros da mesa, são exclusivos de empresas americanas. O monopólio chega a ser assutador como escrevi muitas vezes por aqui, mas pense nos serviços que você usa no seu cotidiano: facebook? GMail? Instagram? São todos monopólios de empresas americanas.

Além dessa discussão, outra importante que tivemos foi da sustentabilidade das empresas, dado o modelo de capital brasileiro. Já abordei o problema em outras oportunidades, mas para compartilhar a reflexão: quase nenhuma dessas grandes empresas da Internet dá lucro. A maior parte delas é sustentada pelo modelo de capital americano, baseado em um alto grau de alavancagem proporcionado pelo capital de risco. Não por acaso os espiões virtuais da NSA falam com um certo descaso como é fácil espionar os brasileiros.

A solução passa pelo fomento às tecnologias nacionais sujeitas à legislação brasileira. Não razoável imaginar que o e-mail da Presidente do Brasil passe por um serviço proprietário monitorado e controlado por empresa americana. Eles jamais deixariam que o mesmo acontecesse com seu presidente. Eles alegam ainda que não estão espionando as pessoas normais, muito menos os cidadãos americanos. O resto do mundo? Bom, o resto é o resto, e o papel deles é esse mesmo: detectar a ameaça terrorista em qualquer lugar do mundo.

Conclusões

O Fórum tem sido uma experiência bastante interessante, e apesar de não ser conclusivo, as propostas apresentadas  podem em algum momento próximo se tornarem aparatos normativos dentro do órgão. Assim foi construído o Marco Civil da Internet e muitas outras normais importantes que regem a rede no Brasil. Mais importante é presenciar o respeito aos diferentes pontos de vista e a valorização de todas as opiniões, por mais absurdas que sejam.

Nos próximos dias vamos abordar diferentes temas e espero ter a capacidade de participar de mais discussões construtivas. Já valeu a pena pelo inesperado e pelo contato com as pessoas em realidades tão distintas.

Written by Eduardo Santos
Desenvolvedor Open Source por vocação, Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), professor universitário e cientista de dados (data scientist). Profile

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