A discussão é antiga e acho que ainda vai durar muitos anos, principalmente pela fragmentação da carreira na área de TIC. Hoje temos diversos cursos, como Análise de Sistemas, Sistemas de Informação, Engenharia da Computação e outros afins. Há ainda muitas justificativas para defender que não é realmente necessário possuir um curso superior para trabalhar na área de programação. A discussão preferida dos alunos no começo do curso é responder à pergunta: eu preciso de curso superior para ser programador? A resposta pode ser sim ou não, dependendo do contexto; eu mesmo, durante muitos anos, não tive curso superior, mesmo trabalhando na área. Vamos iniciar debatendo um pouco o mercado de trabalho, a formação técnica e, finalmente, o curso de Ciência da Computação.
O curso superior no Brasil
Antes de mais nada é preciso entender o modelo de ensino predominante no país e fugir do lugar comum nos discursos inflamados da Internet. Não existe um único modelo de formação profissional, e ele varia de acordo com inúmeros contextos: história do país, ética da população, valorização de profissões, etc. Vou começar apresentado uma imagem que resume bem a diferença de sistema educacional comparando três países: EUA, Brasil e Reino Unido.
Na figura podemos ver que existe um paralelo entre os sistemas britânico e brasileiro, diferenciando-se principalmente as escolas de saúde. Contudo, o ponto mais importante do gráfico não está nas pontas, que ao final vão entregar praticamente a mesma formação, mas nos níveis intermediários. É possível observar que, enquanto no Brasil existe apenas um único tipo de ensino médio (exceção ao profissionalizante), nos outros países existe uma estratificação maior da formação a partir dos 15-16 anos. Aí vem o outro dado que realmente assusta: no Brasil, os profissionais com curso superior ganham 140% a mais do que os que não têm curso superior.
Encontrar a razão para isso acontecer não é muito difícil. Se você está terminando o segundo grau, comece a se perguntar: o que você sabe fazer? Com o que você aprendeu na escola é possível desenvolver uma profissão? No Brasil, apesar de todos os problemas do ensino superior que não pretendo abordar nesse texto, Universidade é formação profissional, e se você não tiver o famoso diploma as suas chances de conseguir um trabalho bem remunerado vão diminuir drasticamente, muito mais do que em quase todos os países presentes no estudo da OCDE.
A formação técnica
Então aí continua a pergunta: eu preciso fazer curso superior para ter uma profissão? Trazendo para a área da Computação: eu preciso fazer faculdade para saber programar? Sobre as profissões em geral os dados apresentados são muito impactantes, e se você não estudar suas chances serão muito menores. Contudo, isso não é necessariamente verdade na computação, como alguns CEOs de grandes empresas têm afirmado. Afinal, com a variedade de ferramentas de aprendizagem online (Alura, Udemy, Udacity) e o vasto material para quem deseja aprender a programar, não é correto afirmar que as faculdades e universidades detém o monopólio sobre o tema.
Também é importante citar os cursos técnicos, que em certas áreas da indústria são fundamentais para formação de mão de obra especializada, em Computação também possuem o seu valor. Você pode tranquilamente, ao final do Ensino Técnico em Computação, por exemplo, saber programar tão bem ou melhor do que alguém que já terminou o curso superior. De fato, aprender a programar ou qualquer outra atividade em tecnologia envolve muito mais do que apenas comparecer às aulas: é preciso exercitar. Com disciplina e as ferramentas adequadas, é perfeitamente possível aprender sozinho.
Contudo, com as facilidades da aprendizagem também surgem os desafios: como você sabe que aprendeu o suficiente? Normalmente os cursos possuem níveis e certificações, frequentemente opcionais, mas nada te impede de ler um tutorial e criar um sistema funcional em poucas semanas. Ainda mais com os frameworks de desenvolvimento para diferentes linguagens que temos disponíveis. Mas será que só isso é suficiente? Se pergunte o seguinte: quantas vezes, ao deparado com um tutorial, você realmente procurou entender o que estava sendo apresentado? Será que você se preocupou com o passo-a-passo ou foi direto para o final, copiou o código e botou pra funcionar?
Esse fenômeno tenho chamado de tecnicismo, e devido à farta documentação e o sem número de tutoriais, tem muita gente (muita mesmo) que coloca em produção sistemas ou configurações que não deviam ter sido feitas. Há ainda o problema da superficialidade: normalmente o tutorial aborda um problema genérico, mas se for preciso ajustar a uma outra realidade, quem não entende o que está fazendo tem dificuldades. Acreditem, são muitos casos assim, e já perdi as contas da quantidade de vezes que fui chamado no meio da noite para levantar sistemas críticos que não estavam funcionando simplesmente porque alguém copiou um tutorial, não entendeu o que estava fazendo e não foi capaz de corrigir quando houve o mínimo desvio.
Há ainda uma questão que é inerente ao estudo, e não ao curso superior. Quando você está envolvido em um ambiente de ensino e pesquisa, algumas oportunidades e direcionamentos são apresentados que somente quem está no ambiente vai ficar sabendo. Isso pode ser resumido a uma única sentença: quem não estuda pode até ser capaz de executar bem a sua atividade atual, mas perde a capacidade de olhar pra frente e pensar fora da sua rotina. Esses são os primeiros engolidos pelas mudanças tecnológicas.
O curso de Ciência da Computação
Os fatos expostos apontam para uma necessidade de aprofundamento, em todos os aspectos, do conhecimento acumulado em diferentes tecnologias e relacioná-los aos conceitos. Costumo dizer que fazer curso superior é como saber construir uma casa de tijolos: ainda que as tecnologias de iluminação e acabamento mudem, você nunca vai ficar desabrigado se souber fazer uma casa. Da mesma maneira, se você se depara com um problema de Computação e entende seus fundamentos, ainda que mude a linguagem e a tecnologia, você vai ser capaz de observar a questão sob a perspectiva geral e entender como aplicar uma solução com a ferramenta A, B ou C. Ou pelo menos deveria, mas o objetivo aqui não é discutir a qualidade dos cursos, e sim apresentar como deveria ser num mundo ideal.
Isso quer dizer que eu só vou conseguir aprofundar o conhecimento se fizer curso superior? É evidente que não, mas antes é preciso desmistificar o papel da universidade e do ensino de maneira geral. Temos a cultura de tratar a escola como a instituição mágica, que vai me enfiar o conhecimento na cabeça apenas pelo fato de comparecer às aulas, e independente do paradigma de ensino escolhido, isso não é nem de longe verdade. O segredo que não te contaram ainda é que você só vai aprender se quiser. Os estudos variam, mas em torno de 60%-80% do aprendizado acontece em casa, ao refletir sobre o conteúdo abordado. Ao entrar num curso superior, seja ele qual for, você pelo menos vai ter um indicativo dos conteúdos que você vai precisar estudar ao longo do tempo para ter os conceitos básicos (reforço no BÁSICOS) para poder desenvolver sua profissão no futuro.
Agora vem a ótima notícia: se existe um Mercado bom para se trabalhar, trata-se da área de Computação. Dados recentes mostram que, em plena crise econômica, existem 250 mil vagas abertas no Brasil para quem deseja trabalhar na área. É um Mercado que só cresce há quase 20 anos, e não mostra nenhum sinal de que vai parar de crescer. Em comparação a outras áreas que continuam despertando interesse mesmo sem oportunidades disponíveis, como Engenharia Civil, é praticamente um oásis de oportunidades. Uma busca rápida por tecnologia no site vagas.com.br mostra 1468 oportunidades em aberto em todas as grandes capitais do Brasil.
Agora a pergunta definitiva: eu preciso de curso superior? Quase todas as vagas apresentadas na lista exigem curso superior completo ou em andamento. Então, se você não tem diploma, sua chance de entrada no mercado de trabalho diminui bastante. É claro que existe um nicho muito importante de pessoas altamente especializadas que não possuem curso superior; os melhores profissionais com quem trabalhei no Mercado até hoje não tinham curso superior. Os líderes dos principais projetos de Software Livre no Brasil também não têm curso superior. Porém todos já possuem contribuição técnica relevante e uma ampla rede de contatos. Você, que vai entrar no Mercado, provavelmente não tem nada disso, então a barreira de entrada pode ser intransponível sem o curso superior.
Para finalizar, deixo a reflexão sobre a figura do curso superior em si. Todos têm um curso de preferência ou algum sonho relativo ao futuro, mas como expliquei ao longo do texto, curso superior é formação profissional no Brasil. Será que o seu sonho de trabalho possui Mercado? Existem áreas onde o posicionamento é claramente mais difícil do que outras. Enquanto em TIC temos mais vagas do que gente disponível, em outras áreas existe muito mais gente formada do que vagas. Nesse caso, a concorrência será muito mais acirrada, e inevitavelmente alguns dos formados não vão conseguir trabalhar na área dos sonhos. Você vai ter que lutar então para ser um dos poucos que conseguiu. Todos devem correr atrás dos seus sonhos, e se é realmente o seu desejo, a dificuldade em atingi-lo será parte do seu processo de formação profissional. Assim, seja qual for o seu objetivo, se ainda não deu certo é porque você desistiu. Continue persistindo.
P.S.: Sou professor universitário do UniCEUB, então se deseja estudar comigo ainda dá tempo.
2 Replies to “Por que estudar Ciência da Computação?”