Mercado, Software Livre

Cultura Open Source nas organizações financeiras

Acaba de sair do forno o resultado da última pesquisa State of Open Source in Financial Services, que traça um panorama do...

Written by Eduardo Santos · 5 min read >

Acaba de sair do forno o resultado da última pesquisa State of Open Source in Financial Services, que traça um panorama do tema nas instituições financeiras ao redor do mundo. Primeiro é importante ressaltar a representatividade da pesquisa: do total de 208 instituições consideradas 52% possuem mais de 10.000 funcionários, ou seja, tratam-se de grandes bancos ou instituições financeiras localizados ao redor do mundo. Falando sobre representatividade, ou seja, que bancos são esses, a pesquisa foi patrocinada e organizada pela FINOS, entidade que reúne algumas das maiores instituições financeiras do mundo.

Demografia dos respondendes da pesquisa
Fonte: https://www.finos.org/2021-state-of-open-source-in-financial-services-download-05-10-21

Essa introdução serve para estabelecer dois pontos importantes:

  1. A pesquisa tem abrangência suficiente para representar um panorama real relacionado a Open Source no sistema financeiro;
  2. Os dados trazem uma fotografia de como o setor está se movimentando no tema para esse e para os próximos anos.

Trata-se de um relatório extenso que tem observações em diversas áreas, seja em relação aos aspectos regulatórios, seja no uso e desenvolvimento de tecnologias. Hoje estou interessado em observar a pesquisa e tentar responder uma pergunta que me motivou a trabalhar com Open Source no Itaú Unibanco desde o começo: por que os bancos e instituições financeiras estão interessados no tema? Quais as suas motivações?

Qual a visão comum sobre colaboração e seus benefícios?

O primeiro aspecto que chama a atenção para quem não trabalha em banco é a necessidade de existir uma política de Open Source para as organizações: 67% dos respondentes possuem um documento para tratar do tema, que possui treinamento obrigatório para 45% das organizações, com foco nos desenvolvedores. Isso significa, como o esperado, que existe uma preocupação grande relacionada ao uso de software Open Source, principalmente com seus vários modelos de licenciamento. É uma prática comum possuir algum tipo de ferramenta de scan para buscar pelas licenças e componentes utilizados em alguma fase do processo de desenvolvimento e deploy (64% dos respondentes).

Nenhuma novidade até aí: já era de se esperar que a indústria financeira, por ser extremamente regulada, se preocupasse com o tema e estabelecesse algum mecanismo de conscientização e controle. Os dados interessantes começam a aparecer quando observamos como as empresas estão se preparando para trabalhar com isso. Ao serem perguntadas se existia uma pessoa responsável por estabelecer uma estratégia, fomentar a cultura de colaboração ou fornecer material de treinamento, por exemplo, vejam como as respostas são interessantes.

Gráfico que mostra as responsabilidades que existem na companhia
Fonte: https://www.finos.org/2021-state-of-open-source-in-financial-services-download-05-10-21

Dá pra observar que existe uma preocupação em quase todas as organizações de não só possuir uma estratégia clara relacionada a Open Source, mas também de comunicá-la de forma adequada para dentro e fora da organização. Sabendo ainda dos benefícios do desenvolvimento colaborativo, uma parte significativa possui um profissional dedicado a estabelecer a cultura da comunidade. Esse é o ponto que pretendemos abordar: por que estabelecer uma cultura de comunidade é tão importante?

Por que Open Source?

Já comentei em diversas oportunidades que cometemos um erro estratégico quando tentamos estabelecer o Software Livre no Brasil, em especial no Governo Federal: vendemos o discurso de redução de custos. Isso acabou gerando um sentimento de que Software Livre é Software grátis, e não conseguimos gerar um ecossistema que fosse capaz de manter o movimento sustentável. Afinal, desenvolvedor também é gente e precisa pagar suas contas, e não dá pra viver só de boa fé e comunidade. Todas as vezes que precisamos vender negócios ou serviços esbarramos na barreira que criamos para nós mesmos no começo: como justificar que uma implantação de Software Livre pode sair até mais caro?

Pois bem, qual seria então o principal motivador para que as instituições financeiras considerassem o tema tão relevante? O medo em relação às licenças já conhecemos, mas seria essa a principal razão? Haveria também um discurso de redução de custos? Começamos a entender esse comportamento respondendo à seguinte pergunta: sua organização possui uma estratégia Open Source First, ou seja, privilegiar o uso de Open Source? Chegamos a um expressivo número de 26% das instituições financeiras adotando essa abordagem. Pode parecer pouco, mas vale lembrar que trabalhamos num universo de instituições que até muito pouco tempo atrás dependiam de um conjunto muito restrito de fornecedores para todos os seus produtos e serviços de TI. Imaginar uma virada tão radical para 1/4 dos respondentes é realmente bastante significativo.

Mas estamos falando de bancos, certo? Não se trata de uma questão filosófica então, é preciso haver uma razão econômica para adoção de Open Source. E aí encontramos a pergunta mais interessante: quais as razões macroeconômicas para utilizar software Open Source?

Gráfico de razões macroeconômicas para o uso de Open Source.
Fonte: https://www.finos.org/2021-state-of-open-source-in-financial-services-download-05-10-21

É possível observar que existe uma relação associada ao custo, mas não se trata apenas de custo de software, mas sim de um conceito mais complexo que na indústria é conhecido como TCO. Não se considera apenas o valor da compra, mas também o custo de manutenção e customização para as suas necessidades. Mas existem outros aspectos mais importantes na pesquisa: a percepção de valor. A indústria entende que utilizar Open Source faz com que os seus programadores sejam capazes de entregar trabalhos de maior valor para seus clientes, além de entender que o futuro de trabalho passa por esse modelo. Aí é que percebemos uma mudança radical na estrutura econômica que sustenta todo o ecossistema de desenvolvimento de software, dentro e fora das empresas.

Estabelecendo a cultura

O questionário vai ainda mais a fundo tentando entender dois pontos: como as organizações veem sua relação com as comunidades Open Source e porque possuem essa visão. Para entender essa relação buscamos entender as diretrizes corporativas relacionadas ao engajamento com comunidades Open Source.

Descrição das razões para engajar com comunidades Open Source
Fonte: https://www.finos.org/2021-state-of-open-source-in-financial-services-download-05-10-21

É possível observar pelos dados que 28% das organizações encorajam seus colaboradores a contribuir com comunidades, e já temos 8% de participantes que possuem essa colaboração como sua principal atividade. Pode parecer um número pequeno, mas já possuímos evidências suficientes para perceber que o trabalho em comunidades possui um efeito de rede, muito motivado pela presença de lideranças capazes de engajar outras pessoas. Como mudar a cultura então? Encontrando e incentivando os líderes, que vão criar redes de colaboração em volta de si mesmos.

E quem seriam então esses líderes que deveriam ser incentivados? O Gil Yehuda escreveu uma série de artigos falando sobre cultura em ambientes burocráticos e os desafios de fomentar uma cultura de colaboração. Por serem organizações hierárquicas, os bancos tendem a buscar papel de liderança naqueles que são os líderes de fato dentro das instituições. Mas será que isso é o necessário para reforçar a cultura de colaboração? Buscamos a resposta em uma outra pergunta do questionário.

https://www.finos.org/2021-state-of-open-source-in-financial-services-download-05-10-21Fonte:

Dentre todos os elementos capazes de influenciar o engajamento em comunidades Open Source, o que mais encontra respaldo é a existência de contribuidores individuais focados em tecnologia. O que isso significa na prática? Open Source se baseia em código, e para incentivar de fato a colaboração o que precisamos fazer é permitir que as contribuições individuais aconteçam, seja para dentro (Inner Source) ou para fora da instituição (Open Source). Ou seja: qualquer mudança cultural para habilitar a inovação através da colaboração precisa remover as barreiras para que os programadores sejam capazes de colaborar. O que eles já fazem de forma natural.

Os dados nos levam a entender que as organizações buscam ser ativas na comunidade justamente para encontrar essas lideranças que são capazes de produzir o efeito de rede e fomentar a cultura de colaboração. Isso vai permitir que os programadores sejam capazes de entregar melhores produtos e serviços para os seus clientes e parceiros, como vimos em respostas anteriores. Também aumenta a retenção dos talentos, ao permitir que eles se comportem nas empresas de forma similar a que estão acostumados a se comportar fora delas. É uma mudança que deve começar de baixo para cima, e não o contrário.

Se a mudança começa de baixo para cima, o que eu, como gestor, preciso fazer então? É muito simples: permita que seu funcionário participe de eventos, colabore com projetos, enfim, faça o que ele já é capaz de fazer fora do trabalho. Ou ele provavelmente vai mudar de trabalho e inovar em outro lugar.

Written by Eduardo Santos
Desenvolvedor Open Source por vocação, Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), professor universitário e cientista de dados (data scientist). Profile

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