Andei lendo umas notícias sobre a restrição de navegação na guerra Google x China e me deparei com essa Manchete: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u710670.shtml
Se você é da área de informática como eu, também está sentindo uma extreme vergonha alheia no momento, pela quantidade de asneiras que o repórter escreveu. E o pior de tudo é que tem muita gente que acha que ele está certo. Mas o que me deu mais vergonha mesmo foi o relato do repórter, de que os sites estão bloqueados porque o deu a mensagem “O Internet Explorer não pode exibir esta página”. Pra fechar o caixão: a notícia vem da France Press, uma das agências de notícias mais respeitadas do mundo.
Me ajudem a esclarecer algumas coisas para essa gente que, apesar de ser jornalista, não parece se informar antes de publicar uma notícia:
- Somente o fato de ter aparecido um site como a anistia internacional no resultado das buscas indica que o Google não filtra mais os resultados. Antigamente eles eram filtrados e não apareciam nas buscas, o que era muito pior. Afinal, o que não está no Google não existe.
- O fato de aparecer a mensagem “O Internet Explorer não pode exibir esta página” não significa que o site não pode ser acessado. Significa que o navegador é ruim demais para conseguir informar ao usuário o que está acontecendo de fato. ele não diz se é falha de rede, se foi demora pra responder, se a conexão foi cortada, não diz nada. Apenas que ele é burro e não consegue identificar.
- O bloqueio a um determinado endereço pode ser feito à revelia do Google, porque ele não detém o acesso à Internet, apenas indica onde está o conteúdo. Para chegar a uma determinada página o usuário precisa navegar por uma rede que é controlada pelo seu ISP, que no caso é o próprio governo. Ele pode filtrar o caminho como quiser, mesmo que o Google não queira.
Esquecendo essa parte técnica, que tenta dizer que o Google não fez o que prometeu quando na verdade fez, o resto da notícia é mais interessante. No post que escrevi na Sexta tentei dizer isso, mas percebo que não ficou claro, então acho importante esclarecer aqui.
É óbvio que o motivo da saída do Google da China não foi apenas a questão da censura; essa foi apenas a “saída elegante”, que melhora a imagem da empresa perante o mundo como defensora das causas sociais. O que está em jogo agora é um tabuleiro político muito mais sério que tem como atores os governos e as maiores corporações do mundo. Os americanos sempre usaram uma pseudo-defesa da auto-regulamentação do mercado para pregar a liberdade de acesso à informação. Hoje nós já sabemos que o mercado precisa ser livre porque os americanos sabem muito bem controlar o mundo livre com informações plantadas, contra-inteligência e, principalmente, dinheiro. O caso Iraque é um exemplo de tudo isso. Tudo escondido, é claro, atrás da defesa da democracia e da liberdade.
Eles sabem que num país com televisão livre eles podem por exemplo impor sua programação e criar uma legião de consumidores de seus produtos ao redor do mundo. Durante muito tempo houve uma tendência a “americanização” do mundo, quando todos nos vestimos como americanos (jeans e camiseta), falamos como americanos (quem não fala inglês?) e comemos cada vez mais como americanos (McDonalds e Coca-Cola). E tudo isso corria muito bem, porque afinal os países e mercados onde as empresas entravam eram sempre pequenos e tinham pouca representatividade.
Mas com a China o jogo é bem diferente. Sabendo que não podem vencer os americanos com seus filmes de Hollywood e séries de televisão, os chineses resolveram contra-atacar, e pela primeira vez na história daquele país, as empresas se sentiram ameaçadas e acuadas, principalmente o Google. Afinal, o acesso à informação é vital em seu modelo de negócios, e perder ou restringir isso pode sim significar a falência da empresa. Aí estão o medo, o receio, tudo enfim, que levou o Google a partir para a guerra, escondido atrás da bandeira da liberdade. Eles estão realmente com medo de, pela primeira vez, serem engolidos por um governo, ao invés de engolir os outros.
É um jogo interessante que tem um significado profundo, principalmente levando em conta a queda das barreiras nacionais impostas pela Internet. As empresas americanas, que são a maioria na rede, têm que respeitar a lei de seu país, mas os seus adversários não contam com essa “limitação”. Afinal, estamos falando de soberania nacional. Quem vai vencer a batalha? Não sei, mas vai ser bem interessante ver o resultado do embate.
Eduardo, foi genial sua matéria. Repassei para a lista de graduação do meu curso (Computação). Espero que eles concordem com suas idéias.
Parabéns!
Abraços.
Obrigado Bruna. Seja bem-vinda para expor suas opiniões também sempre que quiser.
Abraços.
Não existe uma “liberdade controlada e impositiva” na internet porque mesmo com o enxame de serviços “dominados” por um só país, os usuários ainda escolhem o que querem acessar, esse não é o caso da China… No caso da China para acabar com um “mal maior”, a liberdade de acesso(liberdade de verdade, já que vocÊ vê o que quer) está sendo tirada a força das pessoas.
Nessa disputa eu fico com a google.
Olá Rafael,
Concordo em grande parte com suas opiniões. Realmente, com o enxame de serviços dominados o usuário ainda acessa o que quer. Contudo, ele tem à sua disposição um “rol” de coisas que ele não pode sequer querer, e aí mora o problema. Se formos analisar bem, a Internet é ruim para o modelo de dominação do Capital maior, pois a liberdade do usuário pode fazer com que ele simplesmente não veja a propaganda. Mas eles já estão se adaptando a isso…
Não é uma questão de certo ou errado entre Google e China (até porque os dois estão errados), mas eu diria que é a primeira vez que os EUA e suas empresas são confrontados por um adversário que tem real condição de vencer. Tanto eles sabem disso que o Governo se colocou numa posição “neutra” na disputa, e poucas empresas estão acompanhando o Google em sua decisão. Parece que aqui o dinheiro fala mais alto.
Mas vamos acompanhar os desdobramentos da história. Obrigado pela visita e continue colocando suas opiniões.
Abraços
A Google, achando que estava segura, que não iria ser sujeita às normas de cada país como as fábricas são, foi pega de surpresa e entra nesta batalha como um representante de seus próprios interesses comerciais, pois a censura, de um modo ou de outro prejudica os negócios da empresa e essa foi uma forma bem clássica de tentar se impor, tal como uma briga de irmãos: “Não vai me deixar brincar no seu quarto? Então não te empresto meus brinquedos!”
Olá Pedro,
É bem por aí mesmo, mas usando a “desculpa” da defesa da liberdade.