O tema hoje é decorrência de uma série de fatores, dentre eles este vídeo publicado no Youtube e um pouco da minha experiência pessoal como gerente de fábrica de software nos últimos meses.
Você que é usuário de Software Livre já se perguntou quem é que fez aquele software? Dê um pulo aqui então e reflita um pouco sobre o assunto. É óbvio que Software Livre não tem nada de grátis, apesar de esse pensamento pequeno, mesquinha, egoísta e, infelizmente, muito difundido no Brasil, estar quase que cimentado na mente das pessoas. Ainda vamos levar anos pra conseguir demovê-lo ou pelo menos diminui-lo; na verdade, talvez nunca consigamos, e acredito que com isso estamos ajudando a enterrar o Software Livre.
Antes de falar do Brasil propriamente dito, vou passar (mais uma vez) esse livro traduzido como referência. Todos sabem que a maior economia do mundo é a norte-americana, e quase todos os softwares que utilizamos nas mais diferentes camadas de nossas vidas também foram desenvolvidos por lá. Contudo, em algum momento você já se perguntou por quê? O modelo é tão óbvio que talvez não precisasse ser escrito, mas para os que não leram a referência vou dizer: o governo americano utiliza o poder de compra do Estado para fomentar a economia do país. Se pensar nas guerras que o país se envolve talvez seja fácil de entender: mais guerra, mais dinheiro para a indústria que produz armas. Para o software a analogia é a mesma: o Estado contrata as empresas americanas, que por sua vez desenvolvem tecnologia para vender aos outros países. Microsoft e IBM mandam um abraço!
Sim, o poder de compra do Estado que aumenta através da arrecadação é revertido para a indústria nacional através grandes contratos de tecnologia. Pensar em IBM e Microsoft talvez seja fácil, mas aí entram dezenas de outras: HP, Oracle, enfim, todas elas possuem contratos de alguma natureza com o governo. A menina dos olhos para todas elas é a mesma: o desejado Departamento de Defesa, conhecido com DoD, onde as cifras são estratosféricas e pode-se desenvolver tecnologia realmente de ponta.
Se você se deu ao trabalho de ler a referência que eu passei, vai perceber que até mesmo o modelo consolidado há muitas décadas, eu diria séculos, encontrou algumas imperfeições quando se trata de ativos intangíveis como o software. O DoD percebeu que em um certo ponto repassar mais e mais dinheiro para a Microsoft não estava necessariamente fomentando o desenvolvimento de novas tecnologias ou a melhora dos indicadores sociais do país. Qual a escolha óbvia então? Investir em Software Livre, coisa que fazem há muito tempo e continuarão fazendo. Sim, o DoD investe DINHEIRO em Software Livre através das empresas, em diversas modalidades de contrato.
Aí é que entra o ponto em que precisamos entender o que está errado em nosso modelo de país. Eles já perceberam (como também está escrito no livro) que o modelo de contratação do DoD, que é muito parecido com nossas licitações, simplesmente não serve para o caso do software. Muitas vezes ao chegar no final de uma concorrência internacional para o desenvolvimento de uma tecnologia, ela já está obsoleta em detrimento de outra que não pode ser desconsiderada. Na visão do DoD, o poder de compra do Estado deve ser mais eficiente ao permitir que os grandes contratos utilizem e DESENVOLVAM novas tecnologias livres.
E na terrinha de Cabral? O TCU tenta impedir que as empresas utilizem Atas de Registro de Preços. Por quê? Na visão deles, se criou um mercado paralelo de comercialização de Atas que está errado. Não pode uma empresa ser remunerada por um contrato que ela não executa, simplesmente intermedia. Mais: já está definido em vários acórdãos que o padrão para se desenvolver software no governo é a contagem em pontos de função. Imaginam os auditores que ponto de função é mais adequado porque mede o tamanho do software e não o esforço do desenvolvimento.
Primeiro falemos da análise em pontos de função. Suponhamos que você quer desenvolver uma nova tecnologia de processamento de imagens que permita a extração dos metadados da foto e o reconhecimento de expressões faciais (facebook e Google dizem alô), como você mediria esse software em pontos de função? Tenho certeza que aparecerão por aqui alguns especialistas argumentando que é possível fazer isso ou aquilo para “encaixar” na análise tentando negar o óbvio: ponto de função não serve pra isso. Simplesmente porque parte do princípio que a análise deve ser do ponto de vista do usuário, e o que aparece para o usuário num caso como esse? Um botão no facebook? O desenvolvimento está aí? Tente agora desenvolver um sistema que NÃO TEM INTERFACE para o usuário. E aí? Como utilizar ponto de função? Tal sistema não existe?
Aí abrimos uma deixa para voltar ao ponto anterior: por que será que existe um Mercado de vendas de Atas de Registro de Preços? A resposta é óbvia, menos para os nobres auditores: fazer um edital para contratação se tornou tão difícil, tão complexo, que leva pelo menos dois anos para ser finalizado caso o órgão e/ou entidade tenha competência para fazê-lo. Competência essa que está presente em menos de 5% do poder público brasileiro. Se fosse fácil fazer edital todos fariam. Não parece óbvio?
Muito se discute sobre o fomento do governo à tecnologia nacional em todos os níveis, e certamente alguém pode argumentar que existem editais de fomento para tecnologia em FINEP, FAPESP, FAPDF, enfim, entidades de apoio à pesquisa tecnológica. Não vou nem entrar na questão relativa a essas entidades pois será tema para um outro post, mas e se ao invés de investir os US$ 1 BI-lhão que BB e Caixa gastam todos os anos em TIC com tecnologias estrangeiras dedicássemos algo como 5% disso em tecnologia nacional? Não teria isso mais impacto que os tais editais de fomento à pesquisa?
Temos dois modelos: um que utiliza a burocracia ao extremo nas contratações de TIC e concentra o desenvolvimento de tais tecnologias em editais para entidades de fomento (caso do Brasil) e outro que utiliza o poder de compra do Estado para o desenvolvimento de novas tecnologias (caso dos EUA). Qual parece estar funcionando melhor pra você? Olhe ao redor e veja os softwares e dispositivos eletrônicos que utiliza. Quantos deles foram desenvolvidos no Brasil? E quantos nos EUA?
Enquanto isso vejo o crescimento da economia do país nos últimos cinco anos e a arrecadação crescente que bate um recorde atrás do outro. Como moro em Brasília, tenho presenciado o investimento ENORME que o Governo tem feito em si mesmo. Consigo pensar rapidamente em construção de nova sede da PF, nova sede do CNPQ (que deixa a do Google no chinelo), reforma de prédios públicos, criação de novos ministérios e secretarias, etc. Aí eu pergunto: quantas grandes empresas foram criadas nos últimos cinco anos? Onde está o grande parque empresarial que gera milhares de empregos à população? Claro, aqui são todos funcionários públicos, e os aumentos dos últimos cinco anos tornam todos pessoas com maior poder aquisitivo, mas e o resto? Só crescer a estrutura burocrática do Governo e aumentar o salário do funcionário público é suficiente para fazer o país crescer?
Mais uma vez, lembro das sábias palavras do Capitão Nascimento:
“O sistema só trabalhar para manter o sistema.”